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Entrevista

Meta fiscal deve ser perseguida "até o fim", diz diretor do FMI

André Roncaglia considera "provinciano" o debate doméstico sobre o desequilíbrio das contas brasileiras

26/10/2025 22h00

Foto: Divulgação

Apesar da piora do quadro fiscal e dos alertas do mercado financeiro sobre o aumento do risco de sustentabilidade da dívida pública bruta brasileira - que, em agosto, somava R$ 9,6 trilhões, o equivalente a 77,5% do Produto Interno Bruto (PIB), pelos cálculos do Banco Central —, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem apresentado um olhar mais otimista em relação aos indicadores macroeconômicos do país, de acordo com o economista e diretor-executivo do Brasil no FMI, André Roncaglia.

Na visão dele, que acredita que o governo manterá a meta fiscal, o debate doméstico está muito "provinciano" e não compara os indicadores do Brasil com os de outros países, que estão em situação pior do que a nossa. "O mundo inteiro está com esse problema. O mundo inteiro está passando por um problema de altas dívidas públicas, com altos serviços de juros e com uma dificuldade grande de conseguir atender a todas as prioridades que emergem", afirma Roncaglia, em entrevista ao Correio. Nesta semana, o diretor participou de um seminário na sede do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, numa perspectiva internacional, "o Brasil está muito bem".

O FMI reduziu novamente a projeção de crescimento PIB global de 2025 de 3,6%, em abril, para 3,2%, em outubro, após revisar para 3,4%, em julho. E, em relação ao Brasil, elevou de 2,3% para 2,4% a estimativa de expansão da economia brasileira neste ano, mas reduziu de 2,1% para 1,9%, a projeção de crescimento do produto em 2026.

Ao analisar os países emergentes de forma geral, o diretor do Brasil no FMI, em entrevista ao Correio, destaca que estão mais resilientes e em um processo de convergência para os padrões internacionais de transparência e governança, enquanto o mundo desenvolvido "está atribulado". 

Como o Fundo Monetário Internacional (FMI) está vendo a economia brasileira?

Genericamente, o Fundo não faz um acompanhamento semana a semana, porque são 191 países-membros. O acompanhamento é mais geral. Em linhas gerais, numa perspectiva internacional, o Brasil está muito bem. Quando você vê o mundo desenvolvido com dívida pública muito pesada, com porcentagem em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) que excede 100%, e os desafios em termos de carga de juros — tipicamente um problema brasileiro devido ao nosso alto nível —, eles estão enfrentando. Na comparação com o G7 (grupo das economias mais industrializadas do planeta — Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália e Canadá — e com os países desenvolvidos, o deficit primário brasileiro é quase zero. E esses países estão com 2,7%, 3,5% do PIB de deficit primário. Então, o Brasil figura muito bem numa visão mais ampla.

E se olharmos os números reais, sem os descontos para o cumprimento da meta?

Estou falando da leitura do Fundo que já inclui as despesas descontadas da meta fiscal. A regra fiscal tem a ver com a trajetória de médio prazo. É isso que, muitas vezes, se perde aqui. Tem a ver com o compromisso do governo em fazer um ajuste de médio prazo, que, no caso brasileiro, e de vários outros países, não ignore os mais vulneráveis, em face de choques climáticos, em face da desigualdade e da pobreza. É preciso manter essas pessoas incluídas no rol que forma a cidadania. Quando olhamos para essa perspectiva, o Brasil figura bem. Outra coisa é saber se o arranjo atual do arcabouço vai dar conta dos desafios futuros.

Qual a avaliação sobre o arcabouço fiscal?

Na visão do Fundo, o arcabouço fiscal é suficiente, é robusto. Obviamente, precisa de reformas, reduzir a rigidez orçamentária. É preciso fazer uma melhoria da qualidade do gasto em várias áreas, que é a agenda que deve ser discutida há bastante tempo. O Fundo vem chamando a atenção para o tamanho das isenções fiscais agregadas, que são muito grandes, além da falta de transparência em muitas delas. Além disso, o fato de terem um efeito de má alocação sobre a economia, ao proteger determinados grupos, determinados setores, pode levar a uma perda de produtividade. Essa é uma mudança na agenda em termos do que o Fundo normalmente prioriza, mas reconhece os esforços que vêm sendo feitos no plano fiscal para resolver isso.

O mercado financeiro aposta que o ministro Haddad vai ter que mudar a meta para cumprir a regra do arcabouço…

...Mas ele não vai mudar. Eu tenho conversado com o ministro e ele tem dito isso, e ele não deve mudar a meta até 31 de dezembro, e vai perseguir o limite até o fim. Esse é o compromisso que, lá fora, aparece bem e isso é o que é importante. Às vezes, aqui no Brasil, ficamos muito fechados num debate provinciano, e é normal. Quando você não tem a noção do que ocorre nos outros lugares, fica parecendo que o teu caso é muito difícil, muito ruim e tal, mas não é. O mundo inteiro está com esse problema. O mundo inteiro está passando por um problema de altas dívidas públicas, com altos serviços de juros e com uma dificuldade grande de conseguir atender a todas as prioridades que emergem.

Analistas econômicos estão descrentes do compromisso do ministro com o ajuste fiscal?

Quando falamos do mercado, da Faria Lima (centro financeiro de São Paulo), temos que dar um desconto, porque não é uma análise exclusivamente imparcial. É uma análise politicamente motivada e eles nunca esconderam isso. Obviamente, sempre com respeito ao direito de todo mundo se expressar, nós não podemos achar que, quando aqueles que veem a economia pelas lentes dos ativos financeiros e com uma agenda política invertida, eles vão ver mar de rosas numa gestão fiscal que, repita-se, nos últimos dez anos foi muito difícil. Mas há esforços que o governo brasileiro vem fazendo em transparência, nunca tivemos tanta transparência em termos distributivos dos efeitos das isenções, do tamanho da carga tributária, qual que é a distribuição entre os diferentes estratos da sociedade.

No relatório Panorama Econômico Global (WEO, na sigla em inglês), o Fundo destaca a resiliência dos mercados emergentes e, de certa forma, como é que o Brasil se destaca. O país ainda continua patinando, não consegue sair do baixo crescimento, do famoso voo de galinha…

Essa é uma dificuldade da nossa economia, porque temos uma taxa de juros muito elevada que é necessária para conseguir manter a inflação na meta. Esse é o principal mandato do Banco Central. E isso inviabiliza fazer um crescimento mais sustentável. Mas, no conjunto dos países emergentes, essas economias são as que mais conseguiram fazer avanços institucionais, melhorando seus marcos fiscais, tendo um Banco Central comprometido com inflação baixa. Eu digo isso porque existe heterogeneidade na amostra dos países emergentes como um todo, onde há o compromisso com a estabilidade, o compromisso com a inflação baixa. Tem, inclusive, estudos do FMI mostrando que a autonomia do Banco Central e as metas de inflação não são determinantes, o que é determinante é o compromisso, porque a autonomia e a meta de inflação são instrumentos.

Segundo o Ministério da Fazenda, os subsídios estatais já ultrapassam R$ 800 bilhões. Esse é o maior problema que o governo precisa enfrentar?

Vamos tratar de renúncias fiscais como um ponto. Elas são muito heterogêneas, afetam diferentes grupos de interesse. Há uma questão constitucional, que é difícil de mudar. Um estudo do Fundo, por exemplo, mostra o efeito do Simples sobre a competitividade e efeito fiscal disso, só que mexer nisso é muito difícil. O Ministério da Fazenda vem tentando, com muita transparência, identificar quais são as renúncias que têm maior viabilidade política para cortes, que podem gerar um efeito mais positivo, no curto prazo, sobre a eficiência da economia. E, ao mesmo tempo, diminuir a regressividade dessas renúncias, porque elas, às vezes, afetam grupos muito poderosos, que têm muito dinheiro, mas que não conseguem devolver para a economia aumento de produtividade ou mais emprego. Os dois últimos relatórios do FMI tratam dessas renúncias e o Banco Mundial também vem fazendo (essa avaliação). Mas não podemos eliminar o que chamamos de economia política. Se você atacar tudo de uma vez, você não consegue resolver nada, porque os grupos se entrincheiram e bloqueiam o avanço. Então o que você faz? Vai tentando identificar os focos onde você consegue avançar e vai avançando gradativamente. Acho que é preciso arranjar apoio social e político para conseguir (cortar os subsídios). Você vai constrangendo o Parlamento, por meio da sensibilidade social. E você vai mobilizando a população, gradativamente, para poder instruir o Parlamento nas prioridades dela. E o Parlamento vai responder, na medida do possível, de acordo com a própria dinâmica política.

O governo vai insistir em continuar a fazer o ajuste fiscal pelo lado da receita?

Ele está fazendo nos dois lados: modera gasto, que está crescendo, mas cresce menos. E o foco é restaurar a base tributária. Esse ponto é importante, porque muita gente fala que o governo está fazendo isso com aumento de imposto. Não, ele está restaurando a base tributária que nos últimos 10, 12 anos, que foi corroída desde dentro. Estamos falando dos R$ 800 bilhões. Se você conseguir tirar uma parte disso, você restaura a base tributária, garante um horizonte de médio prazo para atacar essas renúncias gradativamente, inclusive, protegendo os setores que são beneficiados por esses subsídios, no sentido de dizer: 'Olha, você vai ter três anos para se preparar para o fim dessa renúncia'. Aí, você chega no Congresso e fala, "vamos acabar", e o que acontece? Todo mundo assume a posição defensiva. O governo está tentando criar uma agenda para sinalizar para os setores beneficiados como pode, gradativamente, remover essas renúncias e, com isso, contribuir com o equilíbrio fiscal.

Mas o governo não poderia ser um pouco mais incisivo no corte de despesas?

Eu acho que a demanda por corte não é a prioridade do governo, a prioridade é fazer expansão financiada de gastos — esse é um ponto chave, ou seja, garantir o equilíbrio, mas atender as demandas da sociedade dentro do que seria justo todo mundo pagar contribuição com esse processo. Isso vem um pouco da agenda política.

Mas o problema fiscal é maior no ano que vem?

Possivelmente, (o governo) vai ter que fazer algum ajuste paramétrico para conseguir equilibrar as contas. Mas, é em 2027 que o governo vai ter que lidar melhor (com a questão fiscal). Se começar a ocorrer, no ano que vem, um alívio do juro, a pressão sobre a dívida pública diminui.

Fonte: Correio Braziliense